Por um Coração na Itália
Non ho l’età per amarti¹
Por Geraldo Gabliel
LUCIE BORILLE
Corte S. Elena
Piazza Duomo 35
37121 – Verona
ITÁLIA
Cheguei à Itália pelos olhos da Lucie Borille. Ela, essa amiga que fala com as mãos, o coração e uma pitada generosa de espanto – naturalmente de alma italiana. Das suas mensagens, saem rimas de espaguete, gestos quase dramáticos e sorrisos provocados por um capuccino fora de hora — um ato de rebeldia que, segundo os italianos, só poderia partir de uma estrangeira encantada – uma ragazza brasiliana.
– “Mi scusi!”, dizia ela, às gargalhadas, ao pedir o famoso capuccino depois do almoço — um pecado em terras italianas, onde café é um ritual e tem hora marcada. Os italianos, segundo Lucie, falam alto e gesticulam com tanta intensidade que qualquer um juraria que estão brigando. Mas calma! Tudo acaba em paz… Talvez porque ali, o debate apaixonado é apenas o tempero do cotidiano – o ímpeto permanente do dinamismo da alma itálica – marcado graciosamente no DNA de Lucie Borille.
E enquanto ela nos narra seus dias, nos deparamos com um enigma: onde estão as crianças? Lucie estranha o silêncio juvenil nas praças, nas ruas, nas vitrines… Vitrines? Sim! Ali estariam os vestiti per bambini (abbigliamento) para adornar os petits angeli de Verona. – -Talvez tenham todas sido “chaveadas“, ela brinca. No lugar delas, apenas senhores elegantes e senhoras de passos calmos. E todos, sem exceção, magros, contidos, com o apetite de quem respeita a hora de comer como um ato sagrado. Nada de petiscar entre refeições. E a pizza? Ah, a pizza! Fina, crocante, uma por pessoa e surpreendentemente leve — quase um segredo nacional.
Esta semana alguém tenta convencer Geh Latinus de que a Pizza² tem a origem do seu nome na Matemática – intriga do pessoal de Exatas com a gente que navega pelas Ciências Humanas… Apesar de nos fracionarem a pizza – ela é nossa!
– “Não vai nada de comida fora!” — outro mantra. Sobra afeto, mas não sobra lasanha. A massa, aliás, nunca se quebra. Lucie aprendeu que partir o macarrão ao meio é sacrilégio. E o sugo? Que seja arrabiata, picante como o sotaque do nonno – sapore d’amore e di mare.
Há algo poético em suas observações: o trânsito caótico, os espelhos convexos nas esquinas estreitas, o futebol como religião — com devoção digna de catedral para Juventus, Milan e a gloriosa Azzurra. E o café, sempre o café. Pequeno, forte, frequente. Talvez porque a vida por lá se viva em goles curtos e intensos.
Ah! Vorrei um caffè per favore!
Entre um espresso no balcão e o vaivém da passeggiata ao entardecer, Lucie descobria que o tempo na Itália tem outro ritmo. Enquanto no Brasil nos sentamos à mesa e ficamos um tempo batendo papo entre goles de café, ali, tudo é mais direto — um espresso veloz, curtíssimo, quase como um ponto final antes de seguir a próxima frase do dia.
– Saborear um café? É quase religião. De manhã, um cappuccino em casa, com calma. Depois, espresso. E outro. E outro. Tudo muito rápido, sem cerimônia. Um italiano entra no bar, diz “un caffè, per favore”, toma o seu café em pé no balcão e segue o dia — como quem recebe uma pequena bênção apressada.
Nos cafés abertos, porém, paira outro aroma: o cigarro. Sim, Lucie reparou nisso também – não gostou. Desde que chegou, o cheiro inconfundível estava sempre por perto — um gesto, uma baforada, um “prego” com fumaça. Mesmo com leis severas proibindo o fumo em ambientes fechados, do lado de fora a conversa segue… entre vapores de espresso e de cigarro eletrônico – novidade que os mais jovens incorporaram ao estilo de vida – uma alternativa enganosa para os tradicionais cigarros de tabaco.
E quando se fala de estilo italiano, não se pode ignorar o jeito como falam. Ou melhor, como encenam. Lucie se viu diante de pessoas que falavam com as mãos, com os olhos, com os ombros. Parecia teatro. Parecia briga. Mas era só conversa. Nada que um “grazie mille” e um “prego” não resolvessem com elegância ou um: – Maledeto! – dito a Geremias Berdinazi (Raul Cortez) na novela Terra Nostra da Rede Globo.
Na mesa, ela aprendeu o valor da tradição. A comida não é só alimento — é memória, é afeto. E jantar, especialmente em família, é o momento mais respeitado do dia. Nada de celular na mesa. Nada de pressa. Ali se come, se conversa, se partilha o dia como se degusta um vinho — com tempo. Lembra-se de “A Santa Ceia” do pintor italiano Leonardo Da Vinci?
E por falar em partilha, Lucie também percebeu o apreço dos italianos pela convivência. São calorosos, expansivos, tão sociáveis quanto apaixonados por seus vizinhos e seus clubes de futebol. Mas atenção: pontualidade não é o forte. Esperar 15 minutinhos faz parte do charme — seja para um jantar, uma carona ou até mesmo aquele ônibus que vem quando quer.
E ainda teve o choque cultural no transporte: – dar lugar aos idosos? Cuidado. Eles podem recusar com altivez. Os mais velhos, em sua maioria, são ativos, ágeis, pedalam, caminham, vivem — e não se identificam com o estereótipo frágil de terceira idade.
La Dolce Vita em bandeiras, sobrenomes e taças de aperitivo
Quando Lucie começou a notar pequenos laços coloridos nas portas das casas — rosa, azul, branco — ela percebeu: até no anúncio de uma nova vida os italianos têm um charme todo próprio. E ao lado deles, quase sempre, lá estava a bandeira da Itália, flutuando orgulhosa na varanda, sob o mesmo vento que espalha aromas de manjericão e história. Orgulho de pátria, de região e de família, tudo ao alcance dos olhos de quem passa.
E por falar em família, descobrir que muitos italianos carregavam apenas o sobrenome do pai foi, no mínimo, curioso. Lucie não escondeu o incômodo ao saber que, até bem pouco tempo, a igualdade dos sobrenomes era uma batalha travada no papel, nas cortes, nas ruas. (Foi só em 2016 que a Itália oficializou o direito de registrar os filhos com os nomes tanto da mãe quanto do pai. Pequenas vitórias, grandes símbolos).
Em suas andanças, Lucie logo percebeu que a rivalidade norte-sul era mais que geográfica — era quase emocional. Entre as cidades do norte, com suas estruturas mais modernas, e o sul caloroso e vibrante, existe uma tensão não tão invisível assim. “Vafanapoli!”, ouviu alguém gritar, rindo. E ao traduzir a expressão, entendeu que a piada tinha amargura, mas também história, preconceito, política e — claro — futebol.
Mas se há algo que une os italianos, é o aperitivo. Ah, o aperitivo. Ao cair da tarde, não há pressa. Só um prosecco, um spritz, pequenas delícias em pratos coloridos, risadas soltas no ar e aquela sensação de que a vida, mesmo com suas contradições, pode ser doce. O ritual é simples: encontrar os amigos, brindar à saúde, à beleza, ao que vier. A vida ali se leva em goles, não em listas.
E foi assim, saboreando um país com os olhos de Lucie, que aprendemos que viajar vai muito além das paisagens. É sobre escutar sotaques, perceber os silêncios, decifrar gestos — é sobre estar atento ao que é dito com as mãos, com o olhar e até com uma bandeira presa na janela.
Talvez, no fundo, o verdadeiro turismo seja isso: mergulhar em outras culturas e, ao voltar, perceber que somos feitos, também, de cada lugar que já nos encantou.
…
P.S.: Geh Latinus, dedica esta Crônica ao seu amigo Adair Perin, jornalista e editor desta mídia Tribuna Popular. Lembrando que a Itália dá o tom de sua origem e simpatia em Vêneto, cidade Italiana.
Cacoal, RO 29 de junho de 2025.
¹ https://www.google.com/search?kgmid=/g/1q5j312df&hl=en-BR&q=Non+Ho+L%27eta&shndl=17&source=sh/x/kp/osrp/m5/4&kgs=7587f3e7bc678cac Acesso em 28 de junho de 2025.
² https://www.youtube.com/watch?v=qCTSleRQGbM&t=2s Acesso em 28 de junho de 2025.