Disputa sobre Marco Temporal pode se acirrar entre Congresso e STF

Disputa sobre Marco Temporal pode se acirrar entre Congresso e STF

Em um contexto de seca devastadora na Amazônia, temperaturas extremas, fome e desnutrição assolando populações indígenas, o Brasil enfrenta uma intensa controvérsia em relação à redução das demarcações de terras indígenas. No cerne dessa polêmica está a chamada “tese do marco temporal”, que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro de 2023. No entanto, apesar da decisão do STF, deputados e senadores aprovaram o projeto de lei que busca incluir essa tese no ordenamento jurídico federal.

A tese do marco temporal argumenta que os indígenas só teriam direito às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em outubro de 1988. Essa abordagem tem sido fortemente contestada por líderes indígenas, organizações e especialistas em direito indígena. A advogada indígena Cristiane Baré, assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), expressou sua preocupação com a tese, afirmando que ela nega a história e as violações de direitos que os povos indígenas enfrentaram desde a invasão do Brasil.

A controvérsia tomou um novo rumo quando, apenas oito dias após a decisão do STF, a Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram um projeto de lei para inserir a tese do marco temporal na legislação federal. Em outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou parcialmente o projeto aprovado, alegando que a tese já havia sido considerada inconstitucional. No entanto, o Congresso derrubou os vetos presidenciais, gerando ainda mais incerteza sobre o destino das terras indígenas no Brasil.

Após a derrubada dos vetos, tanto organizações indígenas, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), quanto o próprio governo, iniciaram esforços para apresentar recursos junto ao STF, na tentativa de reverter a legislação. Enquanto isso, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), favorável ao marco temporal, argumenta que a ausência dessa regra cria insegurança jurídica e ameaça milhares de famílias que há gerações ocupam suas terras e produzem alimentos.

No entanto, especialistas em direito constitucional, como o professor Wallace Corbo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, apontam que a nova lei contraria a Constituição brasileira e busca retroagir para prejudicar direitos já consolidados dos povos indígenas à suas terras. Corbo enfatiza que, possivelmente, haverá uma declaração de inconstitucionalidade dessa lei, seja pelo STF ou por juízes que avaliarão processos demarcatórios.

A questão da indenização também se tornou um ponto crítico. O STF estabeleceu diretrizes para indenizar proprietários que receberam títulos de terras que posteriormente foram identificadas como áreas indígenas. No entanto, a preocupação recai sobre como determinar quem invade território indígena de boa-fé e como provar essa boa-fé. A advogada Cristiane Baré destaca que os direitos originários das terras indígenas não têm preço, e essa questão pode paralisar o processo demarcatório.

Wallace Corbo enfatiza que, de acordo com a Constituição, não haveria espaço para indenizações, mas o STF decidiu de outra forma, estabelecendo que a indenização não condiciona a demarcação. Cada ocupante de boa-fé terá que buscar o reconhecimento dessa condição e a indenização em processos separados.

Atualmente, o Brasil conta com 736 terras indígenas registradas, abrangendo 13% do território nacional, e uma população indígena de aproximadamente 900 mil pessoas, distribuídas em 305 etnias, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). À medida que a discussão sobre o marco temporal e indenizações continua, a proteção dos direitos dos povos indígenas e o futuro das terras indígenas no Brasil permanecem incertos.

— Anuncie Aqui!

Últimas Notícias

Mais notícias