Liberdade de expressão em tempos de redes sociais e polarização que contaminou a Suprema Corte

Liberdade de expressão em tempos de redes sociais e polarização que contaminou a Suprema Corte

Daniel Oliveira da Paixão

Este artigo tem como objetivo explorar e avaliar se estamos vivendo em um ambiente de plena liberdade de expressão—sem pretender esgotar o significado desse conceito—considerando as nuances que o termo “verdadeiro” pode trazer. Afinal, a verdade nem sempre é absoluta e, em um contexto coletivo, pode ser relativizada por diferentes grupos com base em suas perspectivas e crenças. Contudo, argumentaremos sob a ótica do marco civilizatório, recorrendo a análises que consideram tanto o passado quanto os acontecimentos atuais, como as debilidades na atual formação dos juízes da Suprema Corte. Esta, que deveria funcionar como uma corte judiciária, tem se inclinado cada vez mais para o campo político e ideológico, comprometendo sua imparcialidade.

A liberdade de expressão, ou liberdade de fala, tem raízes antigas e já era exercida, em certas situações, há milhares de anos, particularmente entre membros da nobreza e aqueles envolvidos na governança: reis, nobres, príncipes. Nessas interações, havia um certo limite sobre os quais seus membros podiam se expressar sem sofrer a mão pesada do Estado. No entanto, para a plebe, essa liberdade era severamente limitada, tanto que o conceito raramente entrava no cotidiano das pessoas comuns. A sociedade era estruturada de forma hierárquica e estratificada, com a ideia predominante de castas e predestinação, o que impedia muitos de sequer considerarem questionar seu destino ou discutir abertamente suas opiniões.
A exploração “intraomnis”, que em sua dimensão hierárquica se estende ao “intraordinalis” ou “explo-spiralis”, é profundamente sentida em nossos dias, refletindo-se até nas mais elevadas esferas de poder, como no caso do Brasil, onde o Supremo Tribunal Federal, nossa mais alta corte de justiça, desempenha um papel central. No conceito “intraomnis”—um termo novo que criei para descrever essas interações—essas dinâmicas de poder podem se manifestar de formas tão intensas que exigem intervenção social ou estatal urgente para que sejam mitigadas ou reduzidas a um nível minimamente tolerável.

Ao introduzir o termo “explo-spiralis”, outro neologismo inspirado na rica genealogia linguística derivada do latim, refiro-me a uma exploração que atinge níveis ainda mais críticos. Essa forma de exploração é de tal complexidade que torna difícil o controle social e, em casos extremos, desafia até mesmo a intervenção estatal, levando, por vezes, a situações absurdas como as que estamos presenciando em nosso país.

As relações de poder, em sua intricada teia, são tão complexas que, nas sociedades modernas, surgiu o conceito de contenção de um poder pelo outro—a necessidade de manter o equilíbrio para evitar a dominação absoluta de qualquer esfera sobre as demais.

O ideal dessas contenções de poder, onde um contrabalança o outro para evitar abusos na função de regular, avaliar e julgar as complexas relações “intraomnis”, é que ocorram em um ambiente minimamente harmônico, com o menor prejuízo possível para as partes envolvidas. É importante lembrar que, na exploração do ser humano por outro, seja no plano individual ou coletivo, sempre há um rastro de sofrimento, perdas e danos que, de alguma forma, demandam reparação ou, no mínimo, mitigação.

Essas relações “intraomnis” não se limitam apenas às situações factuais e objetivas, como o consumo ou as relações de subordinação consensual (sejam trabalhistas, políticas, religiosas etc.), mas também se estendem às interações que envolvem o direito de expressão—o direito de verbalizar ideias e opiniões, que chamamos amplamente de “liberdade de expressão”. Todos nós valorizamos a oportunidade de expressar nossas opiniões, ser ouvidos e influenciar de alguma forma. No entanto, dentro dessas relações “intraomnis”, não é raro que sejamos também influenciados, entrando assim em ciclos de dominação e até de contradições internas, que nos levam a questionar se estamos sendo razoáveis em nossas interações ou se nos tornamos parte de uma corrente contínua de hipocrisia.

A própria Constituição brasileira, em seu artigo 5º, estabelece os fundamentos da liberdade de expressão, tanto no plano individual quanto coletivo, abrangendo os meios de comunicação e a imprensa. Esse direito é essencial para garantir que as relações “intraomnis” possam ser discutidas, avaliadas e, quando necessário, contestadas, promovendo assim um equilíbrio entre as partes e prevenindo abusos que possam surgir dessas interações.

Neste artigo, para evitarmos uma abordagem excessivamente metódica e histórica, buscaremos simplificar a discussão sobre o que constitui a liberdade de expressão, propondo uma espécie de pacto que nos permita, em um contexto moderno, compreender melhor esse conceito, sem a pretensão de esgotar o tema. Antes de avançarmos, é essencial recorrer à nossa Constituição para entender como ela define essas liberdades, tanto no plano individual quanto no coletivo. A seguir, apresento um resumo do que a Constituição Federal de 1988 estabelece a esse respeito, para depois retomarmos nossa análise e proposta de reflexão.

Das Liberdades Individuais e Coletivas na Carta Magna
Artigo 5º, Inciso IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”
Artigo 5º, Inciso IX: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”
Artigo 220, Caput: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”
Artigo 220, §1º: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social.”
Artigo 220, §2º: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
Artigo 5º, Inciso X: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Artigo 5º, Inciso V: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.”

Como vimos acima, a Constituição Federal de 1988 do Brasil estabelece uma robusta proteção para a liberdade de expressão e de imprensa, refletindo um compromisso com a democracia e os direitos humanos. Ao mesmo tempo, também delimita claramente as responsabilidades associadas ao exercício desses direitos, visando equilibrar a liberdade de todos com a proteção de direitos individuais, como a privacidade e a honra.

Por mais que todo esse texto de nossa Constituição pareça uma boa definição e estabeleça um norte nessas relações “intraomnis” e “intraordinalis”, para muitos, dada a sua natureza subjetiva em alguns aspectos, há muita dificuldade em entendê-lo, pois, individualmente ou coletivamente, querem ou queremos impor-lhe amarras que acabam por perverter o termo, sem saber distinguir o que são os controles necessários para garantir-lhe a existência do que é censura, seja ela prévia ou temporal.

Retomando nossa análise em 2024, estamos diante de dois fenômenos interligados (ou não) que trouxeram à tona uma análise mais profunda sobre a liberdade de expressão, merecendo destaque em jornais, revistas e mídias eletrônicas, tanto na TV quanto em plataformas digitais como YouTube e Facebook. Além disso, o debate tem ganhado força nas redes sociais, onde uma delas, em especial, tem estado no centro das discussões sobre as “explo-spiralis”—termo que utilizo para descrever as complexas interações de poder, que, em última análise, envolvem tentativas de contenção por parte dos poderes da República. No entanto, essas tentativas frequentemente falham em cumprir seu papel essencial de regular essas relações dentro de um contexto civilizatório ideal.

Por um lado, vivemos o fenômeno das eleições municipais, que, em algumas situações, já antecipam o cenário das eleições nacionais dentro de dois anos. Por outro, enfrentamos uma situação atípica em que um único ministro da mais alta corte do país, Alexandre de Moraes, concentrou poderes de maneira estratégica, paralisando os demais e comprometendo valores fundamentais da liberdade de expressão. Ao se aproveitar de um país polarizado entre direita e esquerda—apesar de nenhum dos grupos ser maioria de forma isolada—e com a complacência de políticos de esquerda no parlamento, assim como de intelectuais da sociedade, ele argumenta que “liberdade de expressão não é liberdade para promover Fake News e perseguições a opositores.” Embora essa premissa pareça justa, ela ignora a complexidade e a superficialidade com que os termos são interpretados.
Assim como a verdade não é absoluta, o conceito de “Fake News” também não é. Alexandre de Moraes, apesar de ser frequentemente associado a uma ideologia de direita liberal, claramente favorece um espectro político, enquanto age de forma desleal em relação a certos grupos sociais. Um exemplo disso é a severidade das punições impostas aos manifestantes de direita que invadiram Brasília antes do dia 8 de janeiro, resultando em depredações de prédios públicos. Embora tais atos merecessem uma resposta do Estado e punição adequada para os responsáveis pelos danos ao patrimônio público, é importante lembrar que, desde a redemocratização em 1985, membros da esquerda e extrema esquerda também protagonizaram invasões e depredações, sem sofrerem penalidades tão rigorosas.
O problema central está no abuso de autoridade do ministro ao aplicar a dosimetria das penas, o que levanta a questão de se a interpretação de “Liberdade de Expressão” e “Fake News” está sendo corretamente conduzida pelo magistrado. O cidadão, é claro, deve ser responsável por seus atos e palavras, mas isso não significa que ele deva ser penalizado por interpretações equivocadas ou manipuladas por interesses ideológicos ou autoritarismo. Hoje, mais do que nunca, o mundo ocidental, especialmente nas democracias, está polarizado entre extrema direita e extrema esquerda. As redes sociais têm exacerbado essa polarização, impondo um ambiente onde os indivíduos são compelidos a escolher entre ser “quente ou frio”, conforme o ensinamento cristão, em vez de encontrar o caminho da moderação.

Trazendo isso para o contexto atual da ideologia, estamos nos aproximando perigosamente da ideia de que ou governa um extremo ou governa o outro. Em um mundo assim, a contenção dos excessos deve ser uma prática fundamental da Suprema Corte, que precisa evitar que indivíduos desses extremos violem os direitos uns dos outros, inclusive com a possibilidade de impunidade para um grupo, dependendo de quem está no poder.

A pergunta que surge é: com tanto poder concentrado nas mãos de um único homem, Alexandre de Moraes, estamos realmente vendo a aplicação da lei de forma justa e equitativa, independentemente de quem seja afetado? Infelizmente, isso não parece estar acontecendo. O que vemos é a imposição de censura prévia e o silenciamento daqueles que, por infelicidade, expressam pontos de vista contrários ao que outro grupo acredita e defende nas redes.
É claro que Alexandre de Moraes não é o único responsável por essas ações, mas sua influência sobre outros magistrados em todo o país é evidente. Seja por medo de terem suas sentenças reformadas, seja por encorajamento a julgar de maneira desequilibrada, muitos juízes parecem ter abandonado o ideal de justiça imparcial, simbolizado pela balança da Justiça.
Vivemos em uma sociedade plural, com diversas correntes sociológicas, ideológicas e religiosas, além de outras diferenças importantes, como as econômicas, raciais ou relacionadas a preferências de gênero. Infelizmente, o STF tem se mostrado incapaz de discernir seu verdadeiro papel e de julgar com equilíbrio. Ora impõe o terror para alguns, ora é leniente com outros.

O exemplo do processo contra Nicolas Ferreira é ilustrativo. Ele está sendo condenado por falas agressivas contra a maior liderança de esquerda, mas tais falas não são mais pesadas ou agressivas do que aquelas proferidas por membros da esquerda contra a direita. Antes do advento das redes sociais, já era comum ouvir, em bares ou conversas familiares, pessoas chamando políticos de ladrões. Embora tais afirmações fossem generalizadas, ninguém era condenado por elas, pois pareciam localizadas e de pouco alcance.
Com a internet, essa dinâmica mudou radicalmente. A disseminação de um tema ocorre hoje quase à velocidade da luz, ampliando drasticamente o alcance e o impacto dessas falas, o que transforma completamente o cenário de responsabilização e punição. No entanto, não deveria ser assim. Se é amplamente aceito que os políticos são frequentemente vistos como corruptos—mesmo que nem todos o sejam—aqueles que entram para a política devem estar cientes de que serão alvo desse tipo de crítica. Ao se candidatar, é fundamental que estejam preparados para enfrentar essas falas como parte do ônus da vida pública.

É evidente que a humanidade é complexa e nem todos se comportam da mesma maneira. Alguns políticos, em determinadas situações, podem tentar manipular o sistema, induzindo o judiciário a acreditar que uma pessoa em particular é a única a criticá-los de forma tão severa, e por isso merece punição. Nesse contexto, é essencial que os juízes sejam diferenciados, competentes, e capazes de discernir. Eles devem ser capazes de tolerar críticas e evitar assumir as dores daquele político como se fossem suas. Afinal, é responsabilidade do juiz entender que o político, ao se candidatar, aceitou os riscos inerentes à vida pública. O juiz deve, portanto, saber distinguir o que é trivial do que realmente pode ser prejudicial à honra e à integridade física do político. Em outras palavras, o juiz deve interpretar os artigos 5º e seus incisos, assim como o artigo 220, sempre de forma mais favorável ao cidadão ou à imprensa do que ao político, ainda que punindo aquilo que extrapole o nível de tolerância aceitável conforme a lei.

Infelizmente, o termo “Liberdade de Expressão” tem sido mal interpretado pelo nosso STF, especialmente por Alexandre de Moraes. Ele tem sido excessivamente severo com alguns, escolhendo como alvo os mais conservadores, enquanto é extremamente leniente com os de esquerda. Moraes precisa entender que a liberdade de expressão deve existir para proteger os direitos de todos, seja de esquerda ou de direita. Isso não significa agradar a ambos, mas sim garantir que, dentro de um marco civilizatório, as correntes políticas possam se expressar, e que a justiça imponha limites com a mesma gradação e equilíbrio para todos.

O problema é que nossa corte é composta por pessoas que não estão preparadas para o cargo de magistrado, mas para o de político. Aqueles que deveriam impor freios, determinando até onde vai o direito de cada membro da sociedade, não podem ter um lado político ou ideológico fora da esfera privada. Como qualquer cidadão, um juiz tem suas próprias escolhas políticas, religiosas e pessoais. Contudo, no momento de julgar, ele deve ser mais brilhante do que a maioria das pessoas, sendo intolerante para proteger direitos, mas muito mais tolerante do que seriam os grupos sociais, que, salvo raridade, se pudessem, se imporiam sobre os demais sem quaisquer contemplações.

O juiz também deve ser capaz de perceber o novo fenômeno mundial que é a globalização. Suspender um serviço ou uma rede social da qual dependem milhões de usuários por causa de um descumprimento legal por parte de um alto executivo da companhia é justo quando isso prejudica milhões? No caso do X (antigo Twitter), o que os milhões de usuários têm a ver com a disputa entre seu magnata e Alexandre de Moraes? Se Elon Musk descumpre as leis brasileiras, alegando que elas são ilegais, o que os demais usuários têm a ver com isso?
Parece que o nosso STF não está respeitando o que a Constituição Federal determina nos artigos 5º e 220, entre outros, mas esses de forma mais acentuada. Moraes e aqueles que consentem com suas arbitrariedades impõem censura prévia, em vez de avaliar os conteúdos publicados e punir quem realmente cometeu crimes. O STF precisa entender que, à luz do direito, as pessoas não são obrigadas a gostar de um político, de um juiz ou mesmo de uma religião ou divindade, seja ela parte de uma religião monoteísta ou politeísta. Assim, da mesma forma que não se pode condenar quem dizia “fora Bolsonaro”, também não se pode condenar quem diz “fora Lula”.

Criticar uma instituição e falar contra ela, apenas por palavras, não deve ser considerado crime, embora atuar para sua destruição possa ser. Neste contexto, pergunto: é legal prender alguém que diz “Fora STF” por manifestações faladas ou escritas, mas que nunca agiu para extinguir a instituição? Pode-se criminalizar quem não acredita que nosso sistema de contagem e apuração de votos é transparente, e, portanto, questiona se ele realmente apontou o vencedor de forma correta? Não acreditar na transparência da votação no Brasil não é crime, desde que essa dúvida seja expressa de forma equilibrada e não atente contra a integridade física dos eleitos nem contra o funcionamento da instituição responsável pela apuração dos votos.
Liberdade de expressão significa que os poderes de uma nação não devem calar a voz dos cidadãos, por mais críticas que sejam, sempre que tais manifestações não atentem contra a paz, a segurança pública, a intimidade privada de alguém ou sua vida. Além da lei, as pessoas também são contidas pela moderação social, o que em muitos casos é suficiente para que o Judiciário não precise intervir.

Por fim, o Judiciário existe e deve sempre existir, independentemente das opiniões de certos grupos na sociedade, mas seu papel é o de moderador e restaurador da ordem, nunca de tutor. O Judiciário não deve impor regras que já não estejam previstas nas leis. Os três poderes emanam do povo, e, portanto, cabe ao Legislativo criar as leis, aos governos das três esferas governar e cumpri-las, e ao Judiciário a tarefa mais desafiadora de todas: interpretar corretamente as leis, julgar conforme o seu texto e moderar. O juiz deve aplicar a interpretação mais branda possível quando cabível, reservando a aplicação mais rigorosa apenas para aqueles que cometem crimes graves contra indivíduos ou a coletividade.

No entanto, essa severidade não deve ser equiparada às manifestações de cidadãos revoltados que expressam suas frustrações em redes sociais ou em protestos públicos sobre temas que consideram relevantes—seja a aprovação ou rejeição de uma lei, a ascensão ou não de um grupo político ao poder, ou questões que impactam seu cotidiano.
O juiz deve compreender que, ao estabelecer uma lei que regula a liberdade de expressão, o legislador procura assegurar ao cidadão o direito de se proteger, tanto de si mesmo (político) quanto de seus colegas, no exercício de seu poder e dever político.

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